quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Depoimentos - parte 1

Estou indignada com o noticiário. Ouvi essa semana que um cadeirante levou “coronhadas” porque discutiu com uma pessoa na que estacionou o carro em local reservado para pessoas com deficiência. Quer dizer, então, que, exigir os nossos direitos ou o cumprimento das leis é errado?
Nunca gostei de “fazer justiça com as próprias mãos”, mas também não levo desaforo para casa. Ademais, não acho certo entupir o judiciário com problemas domésticos. Pobre dos juizados especiais! : foram criados para trazer celeridade e terminaram lotados de ações que, muitas vezes, poderiam ser resolvidas com o diálogo.
Em minha modesta opinião, a falta de cumprimento das normas é tão-somente um desrespeito humano. Se as pessoas fossem mais tolerantes, menos egoístas e pensassem um pouco nos outros ao seu redor não seria necessário impor penalidades. A fiscalização e a punição existem por causa de nossas próprias falhas humanas. Não sou revolucionária, nem rebelde sem causa. Não incentivo que todos saiam se agredindo e exigindo seus direitos. Não. Mas incentivo que todos se indignem, não aceitem injustiças e que lutem com calma, paciência e equilíbrio. Costumo dizer que meu objetivo é revolucionar sem barulho, sem quebrar tudo, só lapidando o que for preciso e urgente.
Enfim, esse é meu modo de ver e de viver a vida. Não sei se é o melhor, mas é a forma que encontrei para sobreviver em meio às dificuldades que a vida impõe a cada um de nós e é a forma que aconselho quem me procura pedindo ajuda.
Ano passado, por intermédio do Billy, dirigente da ONG Movimento Superação, recebi um e-mail de um rapaz chamado Tiago que mora na Bahia. O Tiago estava vivendo uma situação difícil e escreveu para o Billy pedindo ajuda. O e-mail parecia um pedido de socorro. Como o e-mail se tratava, dentre tantas questões, do descumprimento à lei de cotas para empregos de pessoas com deficiência nas empresas privadas, o Billy me repassou a mensagem pedindo que eu entrasse em contato com o autor da mensagem. Foi o que fiz.
Desde então, me correspondo com o Tiago via e-mail. Está complicado resolver os problemas jurídicos dele porque, como eu disse, ele reside na Bahia e eu em São Paulo. Há um problema com a competência jurídica territorial. Sem contar que A maioria das questões levantadas por ele eu também não consegui resolver nem para mim. Também luto contra o preconceito e por um lugar no mercado de trabalho. Estudo há mais de 20 anos para isso e não sei até quando precisarei estudar. As pessoas não têm ideia de quanto é sacrificante. Se é assim para todos, para uma pessoa com deficiência certamente o desgaste é maior.A única coisa diferente que pude trazer para ele e venho trazendo por e-mail são palavras de conforto. Tenho falado sobre mim e como saí da situação que ele me apresenta.
Não escrevo para trazer dor a ninguém. Não estou me lamentando de nada. Estou apontando uma realidade que deveria ser compreendida.
Então, para que todos se conscientizem desta realidade, decidi começar a postar aqui depoimentos de outras pessoas com deficiência para que fique claro que não somos rebeldes, nem nos colocamos na posição de vítima diante das dificuldades. Eu, particularmente, detesto que sintam pena de mim. Prefiro até a raiva. Como costumo afirmar sempre, eu não peço muito. Não quero ser milionária, nem grandes milagres. Não pretendo nada além de algo simples: respeito e compreensão coletiva, principalmente no tocante a diversidade. Somos únicos e diferentes e essa é a principal beleza da vida.
O primeiro depoimento escolhido foi o do Tiago. Pedi a ele que escrevesse um texto especialmente para este blog. Espero que a contribuição dele lhes ajude a refletir para mudarmos essa triste realidade.
Aproveito para agradecer ao Tiago por concordar e escrever este texto, apesar de sua exposição. Certamente ele fez isso com a esperança de que, num futuro, este depoimento seja apenas uma lembrança de um passado difícil, sofrido, mas já esquecido no tempo. Então, vamos ao texto:


“Meu nome é Tiago, Sou cadeirante paraplégico desde os 8 anos de idade, por conseqüência de uma esquistossomose na medula, desde então passei a conviver com o preconceito e descaso que sofrem nossa minoria, logo na minha infância vir a dificuldade que eu teria para estudar, alem depender sempre de carro e outras pessoas para chegar a escola sempre me deparava com a falta de acessibilidade delas, fui crescendo sempre com o apoio de minha mãe que em tudo sempre esteve do meu lado , sempre quis estudar direito, como em minha cidade não possui curso em direito, resolvi estudar administração, ao tempo que estudava para o vestibular sofria com a preocupação de como poderia pagar a mensalidade da faculdade, por varias vezes durante meus 18 anos como cadeirante, fiz a via cruzes que muitos deficientes percorrem em nosso pais , por mas de 20 vezes fui ao INSS em busca de um beneficio do governo para minha sobrevivência, em todas as pericias que passei a mesma resposta ( não estamos duvidando da sua deficiência, mas atestamos que você e capaz de trabalhar ) no meu intimo sabia que isso era verdade, a vontade de ser útil e ter uma ocupação para minha mente sempre falou mas alto e mesmo indo em busca do tal beneficio, nunca desistir de bater nas portas das empresas em busca de uma colocação no mercado de trabalho, mas que empresa ¿ minha cidade é bem pequena e até então não possuía empresas com mas de 100 funcionários , que se enquadravam na lei de cota.
Der repente uma luz brilhou no fim do túnel , em minha cidade se instalou uma empresa mineradora que possui cerca de mil funcionários, essa era minha tão sonhada chance, agora sim poderia pagar minha faculdade cuidar de minha filhinha de pouco mas de um ano, compra uma cadeira de rodas motorizada já que devido a mas de 18 anos tocando minha cadeira comum fiquei com uma lesão por esforço repetitivo (LER) e me foi aconselhado usar uma cadeira motorizado e sonhando um pouco mas quem sabe compra um carrinho usado e adaptá-lo, ou seja declara minha independência financeira, mas infelizmente a realidade não era essa ou melhor nem se parece com essa, comecei a ir nas empresas e percebi que alei existi sim porem não sai do papel, lá não havia pessoas com deficiência e disseram que não poderiam contratar devido ao grau de risco de sua atividade, o que não é verdade existem postos de trabalho na área administrativa, entre outros que qualquer PCD poderia ocupar,
Após muita briga questionamento e reuniões , poucos proveitosas denúncias insignificantes conseguimos fazer com que 3 ou 4 PCDs fossem, contratados, porem se apóiam em contratar pessoas com um grau de deficiência mas ”leve” por exemplo uma pessoas amputada do braço, deixando de fora os cadeirante cegos ou pessoas consideradas com um grau de deficiência mas elevado, ou seja uma discriminação discreta e uma forma bizarra de burla a lei, propomos varias formas de solucionarmos o problema, como a contratação das PCDs via cooperativa social prevista na lei 9.967\99, dentre varias outras apresentadas, nenhuma fui aceita, hoje encontro-me em extrema dificuldade minha mãe quem me ajudava financeira e fisicamente encontra-se acometida por um câncer de mama, já sem condições de me ajudar, e minha tão sonhada faculdade trancada. Não busco nada que não sejam meu por direito humanos simplesmente quero oportunidade para poder me manter como qualquer outro cidadão comum, não precisamos de novas leis precisamos de vontade política para juntos fazer com que as leis já existentes sejam cumpridas.”


Tiago Silva Santos reside em Itagibá, Bahia. É presidente do Centro de Vida Independente ( CVI) de Ipiau, BA e estudante do curso de Administração de Empresas.

3 comentários:

  1. O mais triste é saber que após a investigação, descobriram que o autor dessa barbárie com o cadeirante é um delegado de polícia! Um homem que deveria ser exemplo de coragem ao invés de covardia.
    Parabéns Marcelinha pela ideia do blog! Ficou a sua cara!
    Grande beijo!

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  2. Di, meu eterno "Batman" das saudosas audiências de conciliação do JEC MACKENZIE, muito obrigada pelas palavras sinceras e queridas. Espero que continue visitando meu blog!Beijos e saudades.

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  3. Parabéns Tiago, és um grande vencedor...
    Os obstáculos são muitos; mais o importante é nunca desistir de lutar...
    Um grande abraço pra você e sua família.

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