quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Visita da Laura

Hoje queria contar um episódio muito emocionante que me aconteceu este ano. No mês passado, Laura T. M.Bertolim, aluna do 7º ano B do Ensino Fundamental do Colégio Mackenzie me escolheu para uma entrevista a ser entregue em um trabalho da disciplina de Ensino Religioso da escola. O tema era SUPERAÇÃO. Laura fez a entrevista e a colocou no jornal.
A Laura é filha da Profª Patrícia, profª de Direito do Trabalho da Faculdade de Direito do Mackenzie. As duas me deram essa honra maravilhosa: um convite tão especial que me deixou completamente emocionada.
Então, decidi compartilhar essa emoção e prestígio com todos vocês, amigos seguidores deste blog. Imaginem se, quando eu era pequena ou quando as dificuldades me pareciam intransponíveis, eu iria imaginar que receberia um convite desses: receber uma excelente professora, renomada em uma das melhores Faculdades do país, com sua filha em minha casa, para me prestigiar como exemplo de superação!!!!
NUNCA, eu nunca poderia imaginar tamanha honra. Aliás, acho que não mereço tanto. Não me considero pior do que ninguém é verdade, mas também, não me considero exemplo de nada. Apesar disso, fiquei emocionada com o convite e espero que a Laura tenha tido muito sucesso em seu trabalho.
Postarei a entrevista, realizada e transcrita pela Laura T.M.Bertolim:

Entrevista com Marcella Santaniello Buccelli
Quantos anos você tem? Tenho 26 anos.
Qual é sua profissão? Sou advogada.
Que tipo de deficiência você tem? Deficiência física devido à paralisia cerebral. Minha mãe teve toxoplasmose quando estava grávida de mim.
Como você se descreveria? Eu me descreveria como uma pessoa alegre, sensível, emotiva, impulsiva, que valoriza bastante a amizade. Uma pessoa simples.
Quais problemas você encontrou na infância e na adolescência? Conseguiu superá-los? Na infância, eu me sentia muito sozinha, pois é aquela fase em que as crianças brincam e correm e eu não podia fazer a mesma coisa. Na adolescência, eu me incomodava por não poder sair sozinha, por exemplo, às sextas-feiras, quando todos iam ao Shopping à tarde, eu não podia ir sozinha; tinha que ser acompanhada pela minha mãe. Se eu consegui superá-los? Acho que sim. Os problemas são os mesmos, mas mudou o meu jeito de olhar. Aceito mais. Acho que superei, porque superar é entender as coisas de um outro jeito.
O que mais a incomoda hoje? O que mais me incomoda é não poder ir na hora que eu quero para onde quero – a limitação de circulação mesmo.
Qual é o papel da sua família nisso? Minha família sempre me apoiou e me mostrou alternativas, outros jeitos de fazer, mas sem que eu precisasse deixar de fazer nada.
Você estudou em escola regular ou em escola especial? Primeiro fiquei um ano (dos três e meio aos quatro anos e meio) em uma escola especial, mas não havia muito interesse para mim. Então meus pais me colocaram em uma escola montessoriana, mas, por causa do respeito ao tempo de que cada um precisa para aprender a fazer as coisas (e eu precisava de todo o tempo do mundo), também não deu certo. Depois passei a estudar em uma escola conteudista, que prezava por resultados, vestibular, etc. Nas matérias de humanas, sempre fui bem, mas nas de exatas, “era cinco sofrido”. Todos sabiam que eu ia cursar algo na área de humanas. Tentei vestibular quatro vezes no Mackenzie, duas na PUC e duas na USP, mas eu não desisti. Só queria fazer faculdade se fosse na USP, na PUC ou no Mackenzie, onde entrei na persistência, pois o tempo que se leva para fazer a prova conta. Hoje se fala em inclusão, mas, quando eu comecei a estudar, nos anos 80, não era assim. Isso foi antes da Constituição (se hoje ela ainda não é aplicada integralmente, imagine como era antes...). Uma época, na escola montessoriana,minha mãe chegou a pagar duas mensalidades para me aceitarem na escola, pois eles diziam que precisavam contratar mais uma pessoa para me ajudar.
Sua casa é adaptada? Cada casa para a qual a gente se muda é mais adaptada, porque a gente vai aprendendo a adaptar. Adaptar é vivência.
Você tem autonomia para fazer as atividades do dia-a-dia? Esta cadeira (motorizada) me deu muito mais autonomia. Hoje eu como sozinha, escovo os dentes sozinha... só preciso de ajuda para me trocar.
Você tinha dificuldades em fazer amigos? Eu tenho dificuldade em ficar quieta e não para fazer amigos! (RISOS) Quando vejo, já saí falando com as pessoas e elas estão me respondendo... não tenho vergonha.
Você tem amigos com deficiência? Poucos. Esta foi a desvantagem de ter estudado em escola regular. Como as pessoas com deficiência não estão incluídas, a gente só convive com os “normais”. Estou até procurando ter alguns (amigos com deficiência). A escola em que estudei, que se chama Agostiniano Mendel e fica no Tatuapé, é uma escola totalmente adaptada, conta com professores preparados para receber alunos com deficiência, e mesmo assim não tem nenhum. Fui a única que conseguiu terminar o colégio lá. Minha mãe incentivou crianças com deficiência, filhas de conhecidos, a irem para uma escola regular, a mesma onde estudei. Ambas as crianças saíram da escola, pois os pais quiseram poupá-las e as protegeram. Minha mãe me ensinou que eu estudei em uma escola regular não para ser privilegiada. Aqui em casa ninguém me superprotegeu.
A deficiência teve alguma interferência na escolha da sua profissão? Como você está se saindo nessa profissão? Talvez a deficiência tenha ajudado na escolha pelo Direito, por querer ver a justiça no mundo, por eu ver mais coisas erradas e ficar indignada, mas acho que também foi pela minha personalidade. Desde pequena eu via filmes de júri. Gostava mesmo de coisas bem visíveis, de falar muito. Estou terminando a minha pós-graduação (especialização) em Direito Público, na Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Escrevi meu trabalho de conclusão de curso sobre “O direito constitucional de acessibilidade da pessoa com deficiência”. Pretendo fazer concurso para promotoria, defensoria ou magistratura. Contudo, o estágio dos meus sonhos foi no Ministério Público, na Promotoria da Infância e da Juventude, pois eu cuidava de saúde e de educação. A gente pedia para colocar criança em creche, cuidava de questões de pessoas com deficiência... isso faz diferença, pois as crianças que não vão até o ensino médio terão uma outra história.
Você deixa de fazer alguma coisa em razão da sua deficiência? O que eu deixo de fazer são coisas que, talvez, se eu pudesse, eu não faria.
Você tem um blog. Quando resolveu criá-lo? Com que objetivo? No ano passado (não vá rir...). Resolvi criar o blog (www.umpapocommarcella.blogspot.com) por causa da novela “Viver a Vida”, em que havia uma personagem tetraplégica (a Luciana), que criou um blog. Eu gosto muito de escrever, cheguei a entrar na faculdade de Letras. Pensei: a Luciana é uma personagem, mais eu sou real. As pessoas podem me perguntar as coisas. Houve gente que não gostou, porque você acaba contando coisas que incomodam as pessoas, mas a maioria dos comentários é positiva. Antes, eu queria escrever um livro. A versão moderna disso é o blog. É um texto que eu posso por na primeira pessoa e não é impessoal como um artigo.
Você quer deixar uma mensagem? Ninguém é culpado de nada e eu sempre tento compreender o outro lado. Sou meio psicóloga das minhas amigas. Acho que é por isso que o Direito é tão bonito: porque mostra os dois lados. Não me imagino fazendo outro curso. Lógico que quero passar no concurso, ter meu emprego, ganhar meu dinheiro, mas o Direito, para mim, é um caminho para ajudar as pessoas. Há pessoas com deficiência que não aceitam ajuda e chegam a ser agressivas. Talvez seja uma defesa, mas acho que, se a gente se abrir para o mundo, o mundo vai se abrir a gente. A escola também não é perfeita. A vida não é uma maravilha. O importante é persistir. Gênios são raros - eu não conheço nenhum.

E, vocês, que me conhecem, concordam com a entrevista? Querem comentar?

Encerro, mandando um beijo e um abraço carinhoso para Laura e para a profª Patrícia. Muito obrigada pelo prestígio, confesso que tive um dos dias mais emocionantes de minha vida.

Um comentário:

  1. Eu sei que te falo isso sempre, mas lendo esse texto não posso deixar de dizer novamente: Má, eu sou sua fã!

    Tenho mto orgulho de ser sua amiga e de trabalhar com vc no projeto da vila. Ter te conhecido me vez querer lutar também pelos direitos de qm tem necessidades especiais e sabe pq? Pq eu quero que vc possa me acompanhar onde for!

    Dps que te conheci a história do elevador ganhou um rosto e um motivo a mais para lutar pela sua construção. Mas essa história eu conto melhor no texto que escreverei (conforme prometido!) assim que a novela do nosso elevador terminar!
    bjs

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